QUANDO chegou ao Restelo sabia que a herança era pesada. Na Liga, a equipa ainda não tinha uma vitória sequer. Porque aceitou?
— Sabia que ia correr riscos, mas não tantos como, depois, me fui apercebendo. Quando estamos do lado de fora temos uma noção muito própria dos problemas dos clubes, mas quando entramos, e a partir do momento em que começamos a trabalhar, muitas coisas se nos deparam diariamente com as quais não contávamos.
— Insisto, por que aceitou?
— Pelo nome do clube, pelo peso da instituição, pelo seu passado, tudo contribuiu para a minha decisão. Quando recebi o convite do Belenenses, nem lhe sei explicar a sensação... Foi como se de repente me sentisse melhor treinador, e isso deu-me força para avançar e motivação para ultrapassar todas as vicissitudes.
— Está a ser romântico...
— Nada disso, o Belenenses é um emblema que nos habituámos a respeitar. Tem uma história muito grande e esse aspecto, repito, deu-me ânimo. As figuras deste clube também fazem parte da minha infância, dos cromos que eu coleccionava com tanto entusiasmo. É evidente que não lhe vou dizer que sou conhecedor profundo da longa vida do Belenenses, mas posso considerar-me um seguidor atento a partir de Mourinho, do Quaresma, do Freitas, do Godinho, do Estêvão, do Laurindo, sei lá. Lembro-me de todos eles e todos eles tiveram em mim um admirador. E os mais recentes...
—Até parece que você do Belenenses desde pequeno...
— (risos) É um clube especial e muito me honrou a sua preferência pela minha pessoa. Porque aceitei? Por tudo o que acabei de lhe dizer e por me sentir com competência para ajudar.
— Não está a ser fácil...
— Pois não. Repare, não é simples lidar com um plantel de 30 jogadores. É demasiado para quem está apenas nas competições nacionais...
— Jogadores porventura adquiridos sem uma política de contratações definida...
— Da época transacta resistiram para aí meia dúzia e dos que entraram a maior parte não se conhecia. Nunca pus em causa a seriedade deles, mas depressa verifiquei que a qualidade técnica de alguns era, no mínimo, muito duvidosa, como veio a confirmar-se.
— Como procedeu?
— Em traços muito gerais posso dizer que me baseei nos que transitaram de época e em relação aos outros dei preferência aos que já conheciam bem as características do futebol português, como é o caso do Wender, por exemplo.
— Mas o processo demora a dar frutos...
— Estamos a trabalhar de uma forma sustentada. Devo recordar, no entanto, que até nem começámos mal. As coisas correram como inicialmente planeámos. O problema é que apanhámos depois aquele ciclo terrível de jogos. Empatámos com o Benfica mas perdemos com o Sporting e o FC Porto. Penso que neste jogo perdemos bem, mas com o Sporting faltou-nos aquilo a que se chama espírito de equipa e que muitas vezes ajuda a ganhar.
— O ano de 2009 trouxe gente nova para o plantel...
— Entrámos no nosso campeonato propriamente dito a seguir e isso coincidiu praticamente com outra remodelação do plantel. Isto já em Janeiro. Antes fizéramos uma avaliação do plantel e só fomos buscar gente criteriosamente escolhida, onde foi preciso aliar dois factores, qualidade e disponibilidade financeira. Neste sentido a minha prioridade virou-se para os chamados jogadores de equipa, que faziam falta a este grupo.
— Quer pormenorizar?
— O Ávalos e o Diakité já tinham sido meus jogadores e o Tininho veio para uma lugar muito carenciado. O Saulo trouxe a velocidade de ponta que faltava à equipa. Houve ainda a intenção de determinado central estrangeiro, mas como não foi possível por questões de orçamento fomos buscar o Zarabi. Estamos satisfeitos com todos. Foram bem acolhidos pelo plantel, a sua integração deu-se muito mais depressa do que seria previsível. As qualidades desportivas e humanas por eles evidenciadas também contribuíram para isso.
— Valeu a pena?
— Valeu. Todos têm acrescentado mais riqueza ao grupo.
— Há muito que se lamenta o pouco investimento nos jovens do clube. Concorda?
— Ainda bem que me coloca a questão. De facto, as dificuldades pontuais não permitiram que tivéssemos alargado o leque de escolhas a mais jogadores da formação, mas é muito grande o cuidado com os mais novos. Eu e o departamento júnior, liderado pelo Rui Jorge, mantemos uma colaboração muito valiosa. Já temos quatro ou cinco elementos que de um momento para o outro podem saltar para a equipa sénior e quando falo em saltar quero dizer jogar.
— Quer dar exemplos?
— Já aconteceu com o Pelé e o André Almeida e brevemente poderá verificar-se a integração total de ambos em termos competitivos, porque no trabalho diário há sempre dois ou três jovens a treinarem-se com os principais. Ora um ora outro fazem parte das convocatórias, mas há outros miúdos como o Paiva ou o Fredy que reúnem condições para serem promovidos.
—Quando? Com a equipa tão em baixo...
— Sabe uma coisa, sou muito positivo, agora como treinador como sempre fui como jogador. Já passei por muitas adversidades. O meu princípio como treinador foi numa situação muito semelhante a esta. Aí ainda jogava, no Paços de Ferreira, e ficámos no nono lugar. Gosto de falar pouco de mim mas se não falamos naquilo que temos de bom para oferecer as pessoas esquecem-se...
— É algum recado?..
— (risos) Não, mas num espaço muito curto fiz coisas que talvez muito poucos conseguiram. Basta reparar nesse meu princípio como treinador, nos quartos e quintos lugares que tenho para apresentar no currículo, mais dois segundos lugares e ainda a título de campeão nacional. E não foi no FC Porto, no Benfica ou no Sporting... Costumo dizer que já levo 50 anos de bola e 30 de alta competição.
— Não há segredos para si?...
— Joguei em equipas pequenas e grandes e treinei equipas pequenas e grandes; para não falar no plano internacional. Com toda a sinceridade considero que tenho muita tarimba disto e recolho igualmente muita da experiência que fui adquirindo enquanto jogador.
— Isso é uma mensagem de esperança para os adeptos?
— Para os adeptos e não só. Confio muito nos jogadores que trabalham comigo. Se visse que não tinha jogadores que me permitissem ter esta confiança, resguardava-me, nem dava a entrevista ou então optava por uma entrevista mais cuidadosa. Mas não. Confio neles e sei que todos os dias, principalmente depois do estágio em Quiaios, demonstram um espírito solidário verdadeiramente notável em todos os aspectos. Um ambiente forte e sadio que me faz acreditar.
— Chega para evitar a despromoção?
— Não tenho dúvidas. A reposta de todos eles é extraordinária.Trabalham muito. Têm consciência das necessidades do clube e sabem que tudo depende do seu desempenho, da sua atitude. Sinto-me meramente como porta-voz deles, daquilo que eu sei que fazem, cada vez mais e melhor.
— Não haverá excesso de entusiasmo?
— Admito que estou a ser desafiador à minha própria pessoa e ao grupo. Se tivéssemos começado de princípio com este plantel estaríamos em classificação confortável. Mas como em tudo na vida o que nasce torto demora a endireitar-se... Temos de apelar a todas as nossas qualidades para sairmos desta situação e vamos sair.
— O que mudou então?
— Olhe, o sentimento de derrota. Agora os jogadores sofrem. Você entra na cabina e depara-se-lhe um ambiente pesado, de silêncio medonho. Eles estão consciencializados para os objectivos e para aquilo que têm de fazer até ao fim.
— É a ponta de sorte que falta?
— O que é que nos faltou para ganhar em Paços ou em Leixões? Ou no Nacional? Aqui com a Naval ou com o Estrela? A nossa equipa joga bem.
— A conversa já vai longa e os adeptos pretendem uma resposta: o Belenenses desce ou não?
— Não tenho nenhuma varinha mágica, mas em consciência lhe digo, o Belenenses não desce! Se não tivesse resposta positiva e confiante pedia-lhe para não me fazer a pergunta ou então o primeiro a abdicar seria eu. Se não acreditasse no meu grupo seria o primeiro a dizer: não vale a pena. E não digo!
— Razão para tanta confiança?
— Porque a minha equipa é boa. É melhor do que outras em posição mais tranquila.
Um protocolo com Angola para o futuro
O Belenenses assumiu uma parceria com o Kabuscorp, que está a participar no Torneio Internacional do Belenenses com a sua principal equipa de andebol. Um acordo entre dois clubes que não se resume a simples assinatura de documentos, como salienta Jaime Pacheco:
«Fizemos uma viagem de risco a Angola visando o presente mas igualmente o futuro. Essa viagem longa, com um jogo no meio de uma competição, foi um risco que temos de assumir de forma construtiva, salvaguardando os superiores interesses do clube. Agora, as pessoas poderão dar pouca importância a este protocolo, mas vai ser muito importante, sobretudo ao nível de cedência de jogadores, por exemplo. Temos de estar abertos e receptivos e só falo nisso para retractar a realidade e não me desculpar com o que quer seja.»
A dor de andar com a casa às costas
O treinador deixa agradecimentos a quatro clubes que o ajudaram: «Coloco sempre os interesses do clube acima de tudo e por isso aceito as dificuldades. Atravessámos uma fase muito crítica em relação ao desenvolvimento do nosso trabalho. Tivemos as más condições climatéricas, como os outros, é certo, mas a nós atingiram-nos com mais força. Para trabalhar tivemos de nos deslocar a Almada, a Palmela, a Sesimbra e a Massamá. Queria realçar a simpatia e os espírito de colaboração desses clubes, mas, como se vê, fomos obrigados a andar com a casa às costas. Nos planos físico e técnico, mudar tantas vezes de campo com pisos diferentes contribuiu para que tivéssemos deixado fugir alguma sequência qualitativa que alcançáramos até aí. No entanto, fomos prudentes no sentido de não enfraquecer a equipa com lesões, como esteve para acontecer com o Vinícius.»
A jogar desde os 17 anos
«Passei por tudo, como jogador comecei nos distritais, aos 17 anos, e cheguei a campeão europeu. Como treinador subi a pulso, desde baixo, e atingi quase o céu. Acho que tenho competência. Houve um ano ou outro em que as coisas não me correram de feição, é verdade, mas nunca fui um treinador com influência directa nos plantéis. Sujeitei-me sempre a trabalhar com o que tinha.»
Radiografia belenense
«Já fiz uma radiografia ao clube. Com tempo e espaço há coisas a mudar na organização São muitas peças. Se me quiserem dar oportunidade para reorganizar como gosto e como já fiz, o clube fica mais forte.»
Brilhar na Europa
«Com uma equipa modesta fui à Liga dos Campeões e atingi uma meia-final da Taça UEFA, com
Ávalos, Filipe Anunciação, Jorge Couto, Martelinho ou Jorge Silva, jogadores simples e modestos mas com uma vontade...»
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