quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Guardiã do Templo

É com uma simpatia a toda a prova que Ana Linheiro abre a O JOGO, orgulhosamente, as portas da Sala de Troféus do Belenenses. Esta mulher, cuja história se entrelaça com a do clube, não esconde um efervescente brilho nos seus olhos cada vez que aponta uma taça, uma salva de prata, uma medalha, um galhardete. Hoje, com uns 80 anos muito jovens, a ex-atleta, ex-dirigente e sempre belenense Ana Linheiro mantém o mesmo espírito alegre de sempre e, com orgulho, exibe os símbolos de momentos altos do clube com o qual a sua vida se confunde.

A vida de Ana Linheiro e a vida do Belenenses têm muito em comum. Nascida em Lisboa, em 1928, a guardiã do templo da memória do emblema do Restelo, só chegou ao mundo nove anos após a fundação do clube (1919). Como tal, a sua existência atravessou todos os grandes momentos do Belenenses, entre eles a inauguração do Estádio do Restelo, a conquista do campeonato nacional de 1945/46, o erguer das Taças de Portugal em 1941/42, 1959/60 e 1988/89, a estreia do Estádio Santiago Bernabéu, em 1947, onde os azuis foram os convidados especiais do gigante Real Madrid. Hoje, sócia número 94, Ana Linheiro lembra como lhe insuflaram o Belenenses no coração. "Foi o meu pai, o meu companheiro de sempre, quem me trouxe para o Belenenses e nunca mais me passou pela cabeça mudar para outro clube. Estou aqui por amor", confessa a O JOGO.

Viúva muito nova, aos 46 anos, "dona" Ana trabalhou até à reforma no Ginásio Clube Português mas ainda teve tempo de integrar a Junta Directiva belenense de 1967 e, depois, dirigir a secção de râguebi, nos anos 70. Desde que se reformou, aos 62 anos, gere a Sala de Troféus do Belenenses, onde tem feito um trabalho exemplar de preservação da história de um dos grandes de Lisboa.

Casamento desviou a atleta
A ligação efectiva (e afectiva) de Ana Linheiro ao Belenenses vem desde os seis anos, quando começou a fazer ginástica no clube; aos 13 apaixonou-se pela natação e competiu até aos 17, ganhando provas, batendo dez recordes nacionais. "Havia poucas raparigas na natação e, em muitas provas, o meu adversário era o relógio", conta. Os treinos, esses, eram sozinha, no Algés e Dafundo, onde havia piscinas, uma raridade de então. O casamento, aos 18 anos, levou-a para o Alentejo e lá se foi a carreira de atleta. "No Alentejo, nessa altura, desporto era só mesmo andar de bicicleta…", recorda, sorrindo

História do Belenenses ganha corpo em 800 páginas
Ana Linheiro, actual responsável pela organização e gestão da Sala de Troféus do Belenenses, vai lançar hoje um documento histórico onde todo o passado do clube do Restelo surge compilado de forma sintética e acessível. O JOGO espreitou a obra, de cerca de 800 páginas, que recorda, data a data, os principais factos e feitos da vida belenense desde a sua fundação, em 1919, até ao fim do século, em 1999. Ana Linheiro, de 80 anos, conta que todo o trabalho foi feito por si neste livro chamado "Datas e factos memoráveis de 1919 a 1999 do CF Os Belenenses". "Comprei um computador há quatro anos e achava que o Belenenses tinha de ter um livro destes. Acácio Rosa [ex-presidente] deixou-nos alguns livros, com histórias do Belenenses e, se não fosse ele, eu começaria do zero. Depois, tive de ir muitas horas para a Biblioteca Nacional consultar notícias dos jornais da época. Não tive ajuda de ninguém mas trabalhei com gosto, pois era para o meu Belenenses.", diz. Para 2010, Ana Linheiro pretende editar o resto da história do clube, de 1999 ao presente, de forma a deixar completa a cronologia belenense. O livro que agora vai ser lançado tem como mercado preferencial os sócios e adeptos do emblema do Restelo

Taça de Portugal foi marcante
Os anos a viver no Alentejo impediram Ana Linheiro de ir, tanto quanto desejaria, ao futebol. Mas, na final da Taça de Portugal em 88/89, frente ao Benfica, esteve no Jamor. "Foi uma grande emoção, pois ninguém achava que ganhássemos. Até os do Benfica pensavam que não lhes íamos dar trabalho mas tiveram azar...", lembra, a sorrir.

Sequeira é cromo por emparedar
Numa das paredes da Sala de Troféus, há fotos de todos os ex-presidentes menos do último, Fernando Sequeira. A gestão foi curta, o desaparecimento total e nem uma foto ficou para a posteridade. Mas Ana Linheiro não vai desistir de completar a colecção com este "cromo".
Os ilustres Jorge Sampaio e Cavaco Silva
Visitantes, já Ana Linheiro viu muitos entrar pela porta. Entre eles, recorda Jorge Sampaio e Cavaco Silva, enquanto Presidentes da República. Ambos gostaram do que viram, assegura.

À espera de Pacheco
Lugar de memórias, a Sala de Troféus é visitada, no início de cada época, por todo o plantel. Esta temporada não foi excepção e o grupo, no dia da apresentação oficial, passou por lá, com o técnico Casemiro Mior. Já Jaime Pacheco, ainda não teve oportunidade de fazer uma visita e Ana Linheiro destaca como seria importante os atletas voltarem a ver, de vez em quando, aqueles dois pisos de troféus. "Seria bom para os relembrar da grandeza deste clube", explica. Sobre a carreira da equipa esta época, é directa: "Espero que os jogadores saibam o que andam a fazer pois este clube não é para brincar. Antigamente, os jogadores lutavam por esta camisola mas agora são de várias camisolas, não têm o mesmo amor. É preciso salvar o Belenenses, já estivemos vezes demais na segunda divisão", avisa

Uma rival alemã em águas paradas
Muitas são as histórias que Ana Linheiro partilha ao sabor da conversa. Uma delas, remonta à sua juventude, quando nadar era uma paixão. Sem grande concorrência, "dona Ana" lembra a grande adversária do seu tempo em águas paradas. "Era uma alemã que vivia no Estoril e que me dava luta. Ela ganhava-me em kroll, eu ganhava-lhe em costas… Mas era a única adversária", diz.

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